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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

TRIBUTO A CARLOS GOMES


Acabei de receber do meu querido amigo de Milão, maestro Giovanni Fornasieri, este jornal ! Divido com todos os gomesianos !


Transcrição do Artigo do Jornal Feminino de Artes, Letras e Críticas do Rio de Janeiro – 11 de Julho de 1936 (fiel à ortografia da época)

“Seu nome resôa no fragor espumante das nossas cataratas, fulgura em nossos céos, perpassa no farfalhar das nossas selvas bravias, canta na musica apaixonada das nossas melodias, sibila na quietude das nossas moitas indígenas, echôa em nossos montes, palpitaem nossa raça, vive, soluça e vibra no coração do Brasil !
Festeja-se o seu Centenario, as paginas da sua vida, carinhosamente narrada pela sua filha, D. Itala omes Vaz de Carvalho, são folheadas com enthusiasmo, revivem-se os tempos românticos em que, à luz das estrellas luminosas, as donzellas de olhos baixos cantavam, commovidas, as Arias apaixonadas do Schiavo, enquanto os poetas de longas cabelleiras suspiravam à voz maviosa das tremulas Cecys.
Rememoram-se as suas obras: “A Noite do Castelo”, “Joanna de Flandres” “Maria Tudor”, “Colombo”, “Salvador Rosa”, “Fosca”, “Condor”, “Schiavo”, “Guarany” e toda a pompa fidalga dos tempos romanricos, a galanteria amorosa dos salões antigos, a amargura da escravidão, o lyrismo de Alencar, a exuberancia artistica de 1800, resurgem na agitação do seculo em que vivemos, como a Victoria do sentimento sobre a derrota do materialismo.
Bisneto de uma índia, lhe corria nas veias a seiva tropical, ardente, vigorosa, arrebatada, melancholica e impulsiva.
A sua existencia foi uma constante manifestação desta origem indigena, os rompantes do seu temperamento febril, a fuga da casa paterna, o remorso depois, aquella tendencia pelos motivos selvicolas, aquella attracção pelas verdes florestas da Tijuca e das Paineiras, onde em certa occasião se ia envenenando com fructas do matto, o amor pela pátria, tão forte, tão enraizado, tão violento,que cousa alguma conseguirajamais arrefecer, nem as calumnias, nem as hostilidades, nem mesmo as guerras dos patricios invejosos, nem tão pouco os longos annos passadosem terras extranhas e longinquas.
O seu porte magestoso e altivo, sua cabelleira revolta, seu olhar de fogo, lembram o gigante de granito que a poesia pátria exculpiu na rocha abrupta das nossas cordilheiras cyclopicas.
Interprete impetuoso do sentir de uma raça, Carlos Gomes espalhou pelo mundo,, atravez de suas symphonias vibrantes e apaixonadas, os característicos da alma brasileira, tão gravados, tão nítidos, tão fortes nas suas manifestações musicaes, que o brasileiro, ouvindo um accorde siquer das suas operas no extrangeiro, se sente assaltado por profunda nostalgia da pátria.
Esta foi, é e será, a razão principal da sua immortalidade. Sua vida de soffrimento e de luctas foi grande porque foi bella !...
Uma das passagens mais commoventes da sua peleja pela Gloria, foi aquelle gesto de gratidão ao Imperador que o auxiliara à semelhança de Luíz II de Baviera ajudando a Wagner nas suas grandiosas aspirações artisticas.
Recebendo a notícia da queda da monarchia, narra com delicadeza subtil sua extremosa filha o profundo desgoosto que o acommettera bem como a recusa, mais tarde, quando passava pelas mais duras difficuldades, de acceitar a quantia de vinte contos em ouro, offerecida pela Republica que trahira seu Imperador, para escrever seu novo hymno.
Aqui transcrevo as suas palavras por achal-as dignas e perfeitamente em harmonia com o fino temperamento de um grande artista.
-“ Não posso... seria acceitaro eterno castigo de me ver sempre por dentro, a mancha negra da ingratidão.”
Bello e sublime gesto, inteiramente de accordo com a grandeza de suas inspirações !...
Outro trecho da vida do genial maestro, de rara perfeição moral, foi a contenda que manteve com o poeta Paravicini, por occasiãode compor o Schiavo. Não tendo este consentido que se enxertasse na sua obra litteraria o Hymno da Liberdade, com os versos especialmente escriptos por um amigo do maestro, Carlos Gomes preferiu, embora enfrentando grande sacrifício, retirar sua opera dos cartazes do theatro de Bologna, quando tudo se preparava para um novo sucesso seu.
Estes pequenos detalhes da sua vida, que denotam a qualidade superior dos seus sentimentos, tornaram-no de certo grande e victorioso.
Lendo e relendo sua existência, não se tem a decepção tão commum que, em geral, encontramos nos actos Moraes da mor parte dos gênios.
Ao contrario, tudo em Carlos Gomes foi belleza e harmonia; sua musica não é mais do que a revelação de um temperamento generoso de uma alma de escol.
Não quero deixar de destacar aquelle detalhe singelodo seu destino de artista: o raminho de jasmim estrella que lhe enviára de Campinas a irmã saudosa, dentro de uma folha de papel azul, com o perdão do pae.”

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