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quarta-feira, 16 de março de 2011

DAS ORQUESTRAS


 John Neschling e as Orquestras

                                      A crise pela qual passou a classe dos professores paulistas durante o governo Serra, e que foi certamente um péssimo exemplo para todo o País, não é em nada diferente da crise por que passam os profissionais das orquestras, seja em São Paulo, seja no Rio de Janeiro, seja em qualquer outra cidade brasileira.                    
                                      Todos os países que fazem parte da lista dos que possuem universidades de ponta apresentam ao menos uma orquestra sinfônica atuante e conhecida. A sua maioria tem mais de cinco e alguns mais de cinquenta! Todos os países do mundo ocidental incluídos no ranking têm no mínimo uma grande casa de ópera que funciona com qualidade e regularidade.
Maestro John Neschling
                                      O buraco é muito fundo, mas isso não significa que não devamos nos debruçar sobre a questão específica, ou seja, os problemas que  atingem atualmente o nosso mundo sinfônico.   Estamos, sim, vivendo uma crise  na história das orquestras e dos teatros líricos brasileiros. O caso da OSB  é inédito e peculiaríssimo. 
                                      Fruto de uma atitude equivocada e mal administrada pela direção da OSB, essa crise extrapolou largamente o contexto carioca e, graças às redes sociais, se transformou num assunto comentado em inúmeras orquestras e blogs mundo afora. As diferenças se acirraram quando, após um protesto mais que legítimo dos músicos da orquestra, a direção -  tanto a administrativa quanto a artística – resolveu não só insistir no erro como aprofundar o fosso que separa os lados. 
                                   As cartas de advertência e suspensão enviadas a músicos como Virgílio Arraes, um senhor de 78 anos, que merecia uma festa em vez de uma bronca, são de uma arbitrariedade e de uma violência inauditas, comparáveis àquelas cometidas nos períodos  negros da ditadura . Calar quanto a essa barbaridade cometida contra profissionais idôneos, que há décadas se dedicam à nossa vida musical, muitas vezes com sacrifícios, é ser conivente com o arbítrio.
                                 A direção musical  esclarece agora que as audições não visam demissões. Então por que a falta de transparência desde o início do processo, qual a razão da temporada  ser programada com uma orquestra de alunos , para que a humilhação imposta a profissionais longamente conhecidos pelo diretor musical? Tudo isso fica nebuloso quando o diretor musical afirma que o desejo das audições partiu da “instituição” e  debita a conta da crise na resistência dos músicos de participarem de audições como essas.
                                 Essa crise na OSB se transformou num quiprocó internacional. O maestro Kurt Masur, por exemplo pede  apoio ao seu protegido,  sem ter  noção do quadro como um todo. Ele mesmo seria incapaz de implantar um projeto semelhante em qualquer orquestra européia ou americana. Aqui no Brasil, Nelson Kunze afirma que a OSB era, antes da chegada de Minczuk, um simulacro de orquestra. Pelo jeito, há muita desinformação. Antes de Minczuk a OSB foi dirigida por monstros sagrados como Eugen Szenkar, Eleazar de Carvalho, Erich Kleiber e teve como concertinos violinistas como Ricardo Odnoposoff entre outros. Nos seus setenta anos de existência, a orquestra certamente teve altos e baixos, mas sempre foi um ícone na nossa música sinfônica. 
                                      Durante as gestões de Szenkar, Carvalho e também de Karabtchevsky, das quais fui ouvinte assíduo, a OSB chegou a atingir, sim, níveis de excelência.  Minczuk não veio criar uma orquestra nova.   Foi chamado para dirigir artisticamente uma institução que tem quase o dobro de sua idade e que nunca sofreu nenhuma solução de continuidade. Uma coisa é construir uma orquestra a partir do zero, como fez Fabio Mechetti em Belo Horizonte, ou reestruturar uma orquestra em vias de extinção, como no caso da OSESP e que ainda assim contou com anuência da grande maioria dos músicos além de oferecer uma alternativa de trabalho aos que não quiseram abraçar o projeto novo. Outra completamente diferente é assumir a direção musical de uma orquestra com o lastro da OSB, com um projeto de excelência. É necessário, nesse caso,  trabalhar com os meios disponíveis em termos humanos, técnicos e musicais. 
                            Nessa circunstância, a busca de excelência é um processo de médio e longo prazo, e deve respeitar o ciclo natural da própria orquestra. Esse trabalho só pode acontecer com a parceria dos músicos, e com o apoio infraestrutural de uma administração moderna e profissional, o que não é caso na OSB.   Do jeito que as coisas caminham, temo que a ruptura se torne inevitável. Creio também que a reestruturação administrativa da orquestra seja uma condição sine qua non para um futuro digno da OSB. Enquanto isso não acontece, tudo é incerteza. O próprio anúncio da direção de que Cidade da Música será a futura sede da OSB, não vem acompanhado, que se saiba, do respaldo da Prefeitura.
                            A insistência na truculência e na humilhação imposta aos músicos só conseguirá destruir o que  resta de uma instituição que é uma das glórias da nossa música clássica, já tão negligenciada.
 ARCO DE FOGO
 

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